Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 05, 2008

A tesoura cega do governo

Cortar despesas não é a grande vocação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas a perda de R$ 40 bilhões da CPMF torna o assunto inevitável. O Fisco poderá compensar uns R$ 20 bilhões, graças ao crescimento econômico previsto e à majoração de dois tributos. Restará um buraco de R$ 20 bilhões e esse problema só será resolvido com a redução dos gastos embutidos na atual versão do orçamento. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, deu algumas pistas de como poderão ser os cortes, mas limitou-se a citar umas poucas medidas emergenciais.

O governo preservará, segundo o ministro, os R$ 18 bilhões de investimentos previstos para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Manterá também o compromisso de elevar o salário mínimo a partir de abril e tentará preservar os chamados gastos sociais.

Os cortes poderão atingir, em primeiro lugar, parte dos investimentos. Ficam sujeitos à tesoura R$ 12 bilhões propostos pelo governo e R$ 15 bilhões adicionados pelos congressistas, mas só uma parte desses R$ 27 bilhões será podada. A decisão será tomada conjuntamente com os congressistas.

Seria saudável cortar amplamente as emendas de parlamentares, em geral de escasso interesse para os programas sociais e econômicos de alçada federal. Mas o ministro, com indisfarçável timidez política, propõe eliminar somente as emendas coletivas e de bancadas, preservando-se as propostas individuais. Por quê? Ninguém oferece uma boa resposta para isso.

Na área de pessoal, o ministro defende a suspensão de aumentos salariais e novos concursos. O pessoal já concursado, como parece implícito, poderá ingressar nos quadros. O fim da CPMF poderia ser mais um bom pretexto para se discutir a racionalização dos gastos com o funcionalismo. Mas o presidente Lula defende mais contratações e o aumento da folha, porque essa é a maneira, segundo ele, de elevar o padrão do serviço público. Seus ministros endossam esse estranho conceito de administração.

Até novembro do ano passado, a receita líquida federal foi 13,7% maior que a de um ano antes, em termos nominais. O Produto Interno Bruto (PIB) foi 9,6% maior que o de igual período de 2006, segundo estimativa da Fazenda. Os gastos com pessoal e encargos, também medidos em valores nominais, superaram em 11,5% os de janeiro a novembro do ano anterior.

Não há como falar de moderação nos gastos com pessoal. A folha tem sido seguidamente inflada tanto pelas contratações quanto pelos aumentos salariais acima da inflação. Para 2008, os planos embutidos na proposta orçamentária incluíram a abertura de 28.979 cargos novos e a contratação total de 56.348 funcionários. Substituições de aposentados e terceirizados estão contadas nesse número maior. Não se discute se o setor público precisa mesmo desses funcionários nem se fala sobre melhora de padrões administrativos.

Se o governo se dispuser, mesmo, a suspender os aumentos salariais previstos para 2008, enfrentará forte resistência do funcionalismo de todos os Poderes. Entende o presidente da Associação dos Juízes Federais, Walter Nunes, que o governo é obrigado pela Constituição a repor anualmente as perdas causadas pelos aumentos de preços. Pode haver uma discussão interessante a respeito do assunto. A Constituição, no artigo 37, menciona apenas uma revisão geral anual, sem especificar o alcance do reajuste.Na regulamentação desse artigo, contida na Lei nº 10.331, de dezembro de 2001, há uma restrição não desprezível: será necessária "comprovação da disponibilidade financeira que configure capacidade de pagamento pelo governo, preservados os compromissos relativos a investimentos e despesas continuadas nas áreas prioritárias de interesse econômico e social".

O pouco empenho do governo em controlar de fato os gastos com pessoal foi comprovado, no primeiro semestre, com a apresentação de um projeto relativo aos salários: os aumentos anuais deveriam ficar "limitados" a 1,5% além do reajuste com base na inflação. Em outubro, a base governista propôs elevar aquele benefício para 2,5% e o ministro do Planejamento classificou a idéia como "razoável". O projeto continua paralisado na Câmara dos Deputados, mas o assunto poderá ressurgir em breve. Como reagirá o governo, nesse caso?

Arquivo do blog