Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 16, 2008

PAULO RABELLO DE CASTRO

Bola da vez?

Ser a "bola da vez" é mera circunstância, país que tem estratégia de longo prazo não depende de ver chegar sua vez

OS BONS resultados da economia em 2007 -crescimento na faixa de 5%, retomada dos investimentos e queda do desemprego- ajudaram a embalar um novo conceito de ocasião: o Brasil seria, agora, a "bola da vez". Expressão lúdica, "da vez" é aquela bola em que todos os jogadores têm que se concentrar. Os jogadores, no caso, seriam os investidores internacionais na sua busca incansável por uma remuneração extra (sem grandes riscos!). Com reservas externas evoluindo de US$ 100 bilhões no início de 2007 até quase US$ 200 bilhões ao final de dezembro, o Brasil se parece com uma "bola da vez".
Ser a "bola da vez" é mera circunstância, quase sorte. País que tem planejamento e compromisso com o crescimento sustentado, estratégia de longo prazo, não depende de ver chegar sua vez. Ele mesmo constrói o caminho, como bem tem demonstrado a experiência dos asiáticos. Esperar pela vez é "complexo de vira-lata", que o Brasil nunca superou. Na sua fase eufórica, o vira-lata se acha o máximo, ao constatar o tamanho da própria sorte. E não seria isso que tem nos acontecido? A tremenda sorte de ver Lula pagando todos os papagaios externos do Brasil e acumular saldo em caixa de fazer inveja a qualquer emergente...
Não é bem assim. Essa é uma "sorte" construída com imenso sacrifício do povo brasileiro nas últimas três décadas perdidas. Sacrifício esse que, nos próximos 20 anos, será recompensado pela conjunção de três fatores concorrentes, muito favoráveis ao Brasil, na ótica do desempenho econômico. Se o Brasil é incluído entre os quatro Brics -grandes países de alto crescimento que despontarão no cenário mundial-, certamente isso decorre de suas vantagens estruturantes. Que fatores são esses?
Um deles é o fator demográfico. O país do passado, de idade média de adolescente, com milhões de crianças para educar e excessiva fertilidade, vai se tornando adulto e está chegando à idade de trabalhar. A geração de jovens adultos mais numerosa de todos os tempos (nos 507 anos de Brasil) chega hoje ao mercado de trabalho brasileiro. Agora é tudo ou nada!
Em seguida, o fenômeno geográfico: a ocupação produtiva do território, ligada ao agronegócio profissionalizado e competitivo. A ocupação territorial, se bem planejada e ambientalmente correta, colocará o Brasil no centro dos futuros interesses mundiais, pela produção alimentícia, pela chamada "energia verde" e, especialmente, pelos serviços ambientais, de conservação, recuperação e preservação dos biomas e ecossistemas sob nossa tutela soberana.
Por fim, o terceiro fator: a longa batalha pela estabilidade econômica, penosamente conquistada, mas ainda não consolidada, enquanto o país não empreender uma verdadeira revolução no plano fiscal do setor público e baixar juros para valer. Há muito mais a ser feito, educação, energia, Previdência, se o Brasil planeja despontar, nas próximas décadas, como uma nação influente no cenário mundial multipolar. Tem quase tudo para sê-lo. À exceção, talvez, de uma educação verdadeiramente orientada para o trabalho e uma filosofia efetiva de desenvolvimento pelo trabalho, em vez do culto à esperteza e ao lucro fácil, vício que corrói nossa moral, da base ao topo da pirâmide social. Daí o perigo semântico e ideológico da expressão "bola da vez", pois a coitada da bola sempre acaba morrendo numa caçapa.

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