Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 12, 2008

O resgate de Chávez

O Estado de S. Paulo EDITORIAL,
Vai demorar para que se saiba - se é que se saberá - quanto e em que tipo de moeda o venezuelano Hugo Chávez pagou aos seus parceiros da narcoguerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para que o resgatassem da absoluta desmoralização que sofreu diante do mundo inteiro, na virada do ano. Foi quando se soube, pela voz do presidente colombiano Álvaro Uribe, que o menino Emmanuel, filho da refém Clara Rojas com um guerrilheiro, não poderia ser solto com a mãe e outra seqüestrada, a deputada Consuelo González de Perdomo, ao contrário do que proclamara, no auge da bazófia, o caudilho travestido de líder da maior missão humanitária já registrada nas Américas até onde a memória alcança. E não poderia pela simples razão de que as Farc já haviam entregue a criança, em 2005, a um pedreiro, que o encaminhara a um orfanato. Sob o impacto do segundo revés político sofrido em menos de um mês - o primeiro, naturalmente, foi a derrota no referendo que lhe pavimentaria o caminho para se tornar presidente perpétuo -, um desesperado Chávez chegou a acusar o governo de Bogotá de ter seqüestrado o menino.

Não se destinou apenas a salvar a face do coronel, no entanto, a espetaculosa libertação de Clara Rojas, a advogada capturada em 2002 com a então candidata presidencial do partido verde, Ingrid Betancourt, e de Consuelo González, capturada em 2001, uma dos seis parlamentares colombianos em poder das Farc até anteontem. (O movimento tem cerca de 3 mil prisioneiros, dos quais 700 seqüestrados, entre eles 45 políticos.) A própria decisão inicial da guerrilha do narcotráfico de negociar a alforria de sua principal seqüestrada, a franco-colombiana Ingrid, em troca de 153 rebeldes presos, incluindo um comandante das Farc - acertada entre Uribe e o presidente francês Nicolas Sarkozy -, evidencia o que os observadores mais atentos da realidade colombiana já registraram: a bancarrota política dos farquistas, aos 43 anos de existência, durante os quais se transformaram de guerrilha ideológica na maior e mais poderosa quadrilha de traficantes de drogas do mundo. O seu implacável inimigo, Álvaro Uribe, se elegeu em 2002 com 54% dos votos e se reelegeu em 2006 com 64%, o que mostra o apoio do povo colombiano à sua política de guerra implacável contra os terroristas.

Sob Uribe, as tropas colombianas não perderam um único embate com as Farc. Não bastasse isso, o país lhe credita, com bons motivos, a redução dramática dos índices de criminalidade urbana (a ponto de provocar o interesse dos especialistas brasileiros pelas políticas de segurança do presidente). Só os governos de Havana e Caracas ainda têm o descaramento de culpá-lo pelas agruras dos reféns do terror. A ambigüidade de setores da opinião pública francesa se explica, mas não se justifica, pela frustração dos esforços do ex-marido Juan Carlos Lecompte e dos filhos de Ingrid por sua libertação. Fazem parte do script do espetáculo as barretadas ao autocrata venezuelano - "Com a ajuda de Chávez ela poderá voltar", diziam eles. "Por favor, presidente, não baixe a guarda", apelou por sua vez, a ex-deputada Consuelo González ao ser libertada. São reações apenas humanas. Enquanto isso o coronel - que pela primeira vez depois de muitos anos apareceu na mídia global vestindo pele de cordeiro - trata de extrair do espetáculo cuidadosamente ensaiado, em que todos os protagonistas desempenharam corretamente seus papéis, os rendimentos promocionais que lhe pode proporcionar.

Até onde podem chegar esses rendimentos depende menos dele do que dos insondáveis cálculos das Farc.

Da perspectiva brasileira, chama a atenção o comportamento do governo Lula. Nem o Planalto nem o Itamaraty entraram na onda de beatificação do venezuelano. Nas comedidas reações oficiais, Uribe se saiu melhor do que o seu vizinho inimigo. Resta ver se, ganhando novo ímpeto o engajamento humanitário internacional na Colômbia, depois do primeiro sucesso nos casos de Clara e Consuelo, o Brasil agirá como os honest brokers de que falam os americanos para se referir aos mediadores entre antagonistas históricos (como israelenses e palestinos), cuja equanimidade é reconhecida pelas partes em confronto.

Consentida pelos envolvidos, a intermediação deve-se ater estritamente aos objetivos em vista - e o resgate da imagem de Chávez não está entre eles.

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