Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Míriam Leitão - As voltas do Citi



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
16/1/2008

Imagine que você dormiu nos anos 80, quando o Citibank aterrissava no Brasil como o todo poderoso chefe do comitê dos credores da dívida soberana brasileira. No mundo financeiro, soberano quer dizer governamental. Imagine que você acordou ontem. Com que espanto saberia que o Citi só não naufraga no mar das suas dívidas pelos socorros dos fundos do Kuwait, Emirados Árabes e Cingapura?

A crise do Citi não está separada do resto da economia americana, que foi puxada para cima pela ciranda da valorização dos imóveis, a qual levava a novos empréstimos e, depois, sustentava o consumo crescente. Agora, ela é puxada para baixo pelo reverso disso. Outras instituições financeiras e do mercado imobiliário vêm exibindo enormes rombos, e já se sabia que os meses de outubro e janeiro seriam mais pesados. Outubro, com os resultados do terceiro trimestre, e janeiro, com os do quarto. É a hora em que a turbulência é posta em números do balanço. A grande pergunta ainda não tem resposta: já se chegou ao fundo do poço?

- O que incomoda nesta crise é que esta pergunta continua em aberto - diz o ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga.

Ele explica que não é apenas o crédito subprime, ou seja, as hipotecas de alto risco concedidas pelos mercados financeiro e imobiliário americano:

- Isso pode acabar contaminando todo o setor de consumo; compra de carro, uso do cartão de crédito.

Já há sinais desta contaminação. A AT&T comunicou recentemente que está havendo uma queda do consumo tanto nos serviços de internet de alta velocidade, quanto no telefone tradicional.

O consumidor americano está sendo atingido por uma saraivada de más notícias: as hipotecas subiram, os valores dos seus imóveis caíram, os preços dos alimentos e da energia estão subindo, o desemprego está aumentando. Só o Citi colocará 20 mil pessoas a mais na lista dos desempregados.

Com base nesta bola de neve de más notícias alimentando o recolhimento do consumidor é que parecem mais prováveis as previsões de que a economia americana enfrentará uma - se é que já não está numa - recessão.

O economista Nouriel Roubini foi o primeiro a prever a recessão - aliás, uma previsão feita tão cedo que até parecia delírio. Agora, ele confirma o que acha. Na opinião de Roubini, há mais chance de a recessão ser severa que suave. Segundo ele, a crise de liquidez e a crise de crédito vão piorar, mesmo que o Fed reduza a taxa de juros. Ele também não acredita muito no milagre que anima os corações do mercado: o decouple, ou seja, a idéia de que a crise dos Estados Unidos não atingiria outros países, principalmente os emergentes.

O prejuízo do Citibank - o maior banco do mundo -, o pior em 196 anos de sua história, é apenas mais uma destas pontas do iceberg. Ele foi fortemente atingido em seu valor. Não foram apenas os US$9,8 bilhões de prejuízo no trimestre, nem mesmo os US$18 bilhões de redução do valor dos seus ativos imobiliários. O Citi, que em 2006 vinha numa forte valorização de suas ações, chegando a subir 10% em dezembro daquele ano, teve queda durante todo o ano passado. Ao todo, o banco perdeu 50% do valor de suas ações. Mas ele não está sozinho. É apenas mais emblemático. Veja no quadro abaixo outras grandes perdas recentes no mercado financeiro por causa das subprime.

Evidentemente um problema dessa gravidade não se resolve com uma queda nos juros do Fed, ou com um pacote de ajuda ainda mal explicado. Ampliar o prazo para cortes nas taxas de juros para além de 2011 não vai resolver o problema de 2008, disse-me, na semana passada, o economista Tom Trebat, da Universidade de Columbia.

O presidente do Citigroup, Vikram Pandit, definiu a perda como "inaceitável" e avisou que o mercado de crédito ao consumidor também está sendo atingido pelas perdas. Aí é que mora o perigo desde sempre. A bolha que levou a economia para cima estourou, e agora é fazer o caminho de volta ao chão.

Arminio Fraga acha que dificilmente o consumidor americano voltará a consumir da mesma forma que consumia antes, porque não vai mais apostar na mesma onda do endividamento com base na valorização imobiliária:

- Mesmo quando tudo passar, não está claro quando é que o consumidor americano vai voltar. Mesmo quando ele voltar, não vai mais se alavancar como antes. O período de crescimento americano ao nível de 5% ao ano pode ter chegado ao fim.

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