Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 01, 2008

Miriam Leitão Os inesperados

No começo de 2007, o mercado, em média, achava que o Brasil cresceria 3,4%, e o país cresceu mais de 5%. Essa é a tendência dos analistas de mercado: acreditar que o futuro vai ser a repetição do passado.

O futuro é mais imprevisível do que parece nos consensos divulgados semanalmente nas pesquisas feitas pelo Banco Central. Por isso desconfie das previsões de que 2008 será como o ano que passou.

Se o mercado, no começo de 2007, soubesse que o mundo enfrentaria uma crise de crédito cujo epicentro seria a economia mais poderosa do planeta e que o petróleo esbarraria nos US$ 100, certamente as previsões de crescimento do Brasil seriam ainda menores.

Por isso é preciso ver sempre com dúvida os cenários unânimes que os economistas dos bancos oferecem ao distinto público.

Até porque, desde que o Banco Central passou a pesquisar as previsões das 100 maiores instituições do país e a divulgálas semanalmente, o fenômeno conhecido como “efeito manada” se aprofundou. Ninguém quer ser ponto fora da curva, pois isso pode significar errar sozinho. Errar em conjunto não é problema, mas errar sozinho pode ser fatal. Assim, cada um vê a média das previsões e acerta sua projeção para ficar perto. Ao longo do ano, vão ajustando para concordar com a realidade. Ao final do ano, estão todos certos porque foram caminhando aos poucos e todos juntos na direção dos fatos.

Por isso, melhor que olhar os cenários de consenso é estar alerta aos riscos, às rupturas e aos inesperados que podem mudar ou agravar as tendências.

Como para o mercado e o BC, o futuro é igual ao passado, com uma pequena mudançazinha, a previsão é de que o país vai crescer um pouquinho menos este ano, perto de 4,5%, e a inflação ficará imutável em 4,3%.

Quanto valem essas previsões? Pouca coisa. Na verdade, é melhor olhar menos os números e mais os fatos que podem ocorrer. Até para se prevenir.

A inflação é um ponto de preocupação para 2008, independentemente dos números que os modelos econométricos estejam apresentando.

O Banco Central, no seu cenário de referência, prevê 4,3%. E, no cenário de mercado, prevê os mesmos 4,3%. Mas os fatos mostram que, em 2007, houve um inesperado aumento da pressão dos preços dos alimentos.

Eles sempre oscilam e, no último trimestre do ano, aumentam para depois cair ao fim da entressafra.

Isso acontecerá novamente agora, mas há um fato novo. A inflação de alimentos é fenômeno mundial, os preços das com modities agrícolas estão subindo no mundo todo porque há uma população enorme na China e na Índia consumindo mais e comendo melhor, e há secas e eventos climáticos extremos atingindo países produtores.

É bem possível que essa pressão continue em 2008. Recentemente, a revista “Economist” previu o fim da era do alimento barato.

Esse novo dado precisa ser incorporado às previsões. Outro problema que pressionará a inflação em 2008 é o reverso do que ocorreu em 2007.

Ano passado, o que mitigou a inflação foi o grupo dos preços administrados e monitorados por contratos.

Eles estiveram baixos porque foram reajustados com base no IGP-M, que ficou em apenas 3,83% em 2006. Agora já se sabe que o índice registrou 7,7% em 2007, então este será o ponto de partida de muitos preços administrados.

A inflação vai preocupar muito mais este ano que nos anos recentes.

A maioria das previsões está subestimando o impacto da crise internacional na economia brasileira.

Como o crescimento tem sido puxado pelo dinamismo do mercado interno, considera-se que será assim nos meses futuros.

Mas é difícil imaginar que, num cenário de forte desaceleração americana, o Brasil não seja atingido de alguma forma.

Há outro ponto de preocupação: o crescimento do mercado interno está se dando, em grande parte, pelo crédito. Nas comparações internacionais, o Brasil tem um baixo índice de endividamento das famílias e das empresas, mas aqui o dinheiro é mercadoria muito mais cara, o que torna o endividamento mais perigoso. Por enquanto, o nível de inadimplência permanece confortável, mas, na euforia das compras do fim do ano, os consumidores podem ter ido longe demais. Até por inexperiência.

Podem ocorrer dificuldades de pagamentos que reduzam as ofertas de crédito. As empresas não devem ter um quadro de mercado de capitais tão fácil como tiveram em 2007. O financiamento ficará mais caro.

O mundo está mais incerto em 2008. O Brasil também está mais incerto.

Por isso, deve-se duvidar das projeções que são simplesmente a repetição do passado, com um ajuste aqui outro ali. A dificuldade de qualquer projeção, boa ou ruim, é que houve muita mudança na estrutura da economia mundial e brasileira nos últimos anos. No mundo, o fator novo dos grandes países emergentes, como China e Índia, atenuou até aqui a crise americana.

Mas é difícil ter certeza de que continuará atenuando.

No Brasil, as contas externas são mais sólidas que em outras crises. Isso dá mais segurança. Mas as contas públicas estão muito mais incertas este ano que em 2007. E é ano eleitoral, quando se gasta mais.

É preciso cautela com os cenários excessivamente positivos. É mais sensato ver os sinais de mudanças, antecipar-se aos riscos, para evitá-los. Assim, será mais fácil realizar o que todos querem: um ano bom.

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