Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 20, 2008

Celso Ming

A cebola e as lágrimas


A economia é uma cebola com suas camadas. Quando se removem os problemas imediatos, aparecem os debaixo e, depois, os de mais abaixo ainda. Até chegar ao talo, há muito o que chorar.

A concessão de crédito farto a clientes de risco foi uma barbeiragem dos bancos americanos. Depois se viu que eles só fizeram tudo isso porque os órgãos reguladores cederam na supervisão.

Em seguida, vem a culpa atribuída à política monetária de 2001 até recentemente e a dose de culpa a ser descarregada sobre o presidente anterior do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), o até agora louvadíssimo Alan Greenspan.

Nessa camada da cebola, de novembro de 2001 a junho de 2004, os juros básicos no país ficaram ao redor de 1% ao ano, quando a inflação era de 2%. Para os críticos, Greenspan foi mão mole demais, deixou dinheiro a rodo zanzando pela economia e esse excesso de liquidez incentivou a leniência no crédito, a gastança, a propagação de bolhas - enfim, o porre consumista que desembocou na ressaca que o americano e o resto do mundo curtem agora.

Ocorre que os juros baixos e o excesso de liquidez não surgiram de graça. Tiveram lá suas causas que não podiam ser ignoradas por Greenspan. Foram determinados por duas forças que avançaram sobre a economia global.

De repente, o mercado foi inundado por bens industrializados da Ásia vendidos por uma fração dos preços vigentes no mundo rico, pois são produzidos por mão-de-obra barata. A inflação global sofreu um golpe enorme.

Ao mesmo tempo, o aumento do uso da Tecnologia de Informação encurtou a distância e o tempo entre a produção e o consumo e dispensou parcelas crescentes de estoques, máquinas, instalações, capital de giro e pessoal. A redução de custos também ajudou a derrubar a inflação.

De repente, os bancos centrais se viram como os Estados Unidos após a queda do Muro de Berlim: sem inimigo a combater. Não havia inflação que exigisse a retirada de dinheiro do mercado e o aumento dos juros. A sobra de capital aumentou a busca por títulos do Tesouro americano (T-bonds). Os juros de longo prazo desabaram, o que levou o próprio Greenspan a supreender-se com o surgimento de um novo enigma na economia (conundrum).

Mas os juros permaneceram baixos não apenas por isso. O governo Clinton havia gerado um superávit nas contas públicas que projetavam sobra de US$ 3 trilhões nos dez anos seguintes. Greenspan temeu que a falta de um déficit a ser coberto com emissões de T-bonds deixaria o Fed sem estoque de títulos para quando quisesse enxugar o volume de dinheiro ou quando quisesse injetar mais liquidez. A situação parecia tão anômala que ele denunciou o risco de deflação, algo tão grave quanto a própria inflação.

E aí chegamos à camada mais profunda da cebola. Se a gênese da crise atual está na excessiva injeção de dinheiro na economia, é preciso reconhecer que a situação que gerou a abundância tem a ver com o salto dos emergentes, com a crescente incorporação de mão-de-obra marginalizada e com a criação de grandes mercados de consumo. Enfim, a crise tem a ver com as dores de parto de um novo ciclo da economia mundial, que um pacote eleitoral de Bush não será capaz de mudar.

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