Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Celso Ming - O inimigo a combater




O Estado de S. Paulo
24/1/2008

Ontem o dia foi de Jean-Claude Trichet, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), zona do euro.

Quando aumentavam as apostas de que os bancos centrais da Europa acompanhariam o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) no corte ousado dos juros, Trichet enveredou pelo caminho oposto. Disse que está comprometido a combater a inflação e não a aumentar a volatilidade dos mercados. (A inflação em 12 meses dos países do euro chegou em dezembro a 3,1%, para uma meta informal de 2,0%.) Os mercados vieram abaixo.

Então ficou assim: enquanto o Fed de Bernanke decidiu atacar primeiro os sintomas da crise e deixar o combate à inflação para quando der, o BCE de Trichet segue aferrado ao objetivo de liquidar com a mãe de todas as doenças da moeda.

É uma divergência e tanto, com a agravante de que Bernanke enfrenta uma crise de credibilidade, o pior que pode acontecer para quem precisa coordenar expectativas. Para usar uma imagem do próprio Bernanke, o Fed lembra hoje um barco a remo pilotado por um patrão que canta movimentos incoerentes. E o resultado é mais descompasso do que coincidência de ação dos remadores.

Mas a questão de fundo é saber qual deve ser a função de um banco central, especialmente quando o paradigma econômico mundial está mudando.

É claro que o principal compromisso de um banco central continua sendo a defesa da moeda. Sua principal função é o combate à inflação por meio da calibragem dos juros: inflação lá em cima é atacada com alta dos juros; inflação sob controle permite redução dos juros.

O diabo é que o próprio conceito de inflação é um animal em mutação. Até agora se entendeu que a medida da evolução dos preços a ser considerada na definição dos juros é o que acontece com o cestão convencional do custo de vida das classes médias.Mas parcelas crescentes do orçamento doméstico das classes médias (dos países ricos) estão sendo aplicadas não em bens de consumo e em serviços, mas em ativos (financeiros e não financeiros) que não fazem parte da estrutura do custo de vida e, por isso, por mais que subam de preço não acusam inflação. E, sem inflação aparente a matar, os bancos centrais se põem a despejar dinheiro na economia (operar com juros baixos). Além de gerar liquidez, isso contribui para a formação das bolhas nunca suficientemente combatidas.

A essa enorme sobra de dinheiro se acrescentam os novos financiamentos à gastança proporcionados pela formação das enormes reservas externas dos países emergentes. São recursos aplicados em títulos do Tesouro americano que realimentam o consumo e as mesmas bolhas.

E aí estamos entrando numa discussão, já mencionada nesta coluna em outras oportunidades, que envolve as altas esferas do Bank for International Settlements (BIS), a instituição com sede na Suíça que opera como banco central dos bancos centrais.

Foi o economista-chefe do BIS, William White, o primeiro a sugerir que, na definição dos juros, os bancos centrais devam considerar também a inflação criada pela demanda de ativos. É uma idéia que, se fosse adotada, mudaria muita coisa, para o bem e para o mal.

Confira
Esperar para ver - O Copom não podia tomar decisão diferente: juros básicos (Selic) sem alteração.
Antes de definir um rumo, é preciso ver até que ponto haverá ou não recessão nos Estados Unidos e qual seria seu impacto sobre a economia brasileira e o resto do mundo.
O risco é o de que o Fed volte a derrubar os juros dia 30, aumente a diferença entre juros internos e externos e que essa situação propicie mais entrada de capital especulativo. Mas, convenhamos, isso não seria diferente do que acontece em relação à Europa e ao Japão.

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