Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 05, 2008

As balas perdidas fizeram a festa no réveillon carioca

Não eram só fogos

Festa de fim de ano no Rio de Janeiro
teve participação especial de balas
de revólver e fuzil


Marcelo Bortoloti e Ronaldo Soares

O céu de Copacabana riscado por balas luminosas: tiros de fuzil durante a queima de fogos


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Quadro: Probabilidade de um disparo para o alto atingir alguém

No réveillon deste ano, os tradicionais fogos de artifício da Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, misturaram-se no céu aos riscos luminosos de balas disparadas por fuzis. Trata-se de uma já tristemente conhecida maneira que a bandidagem encontrou de saudar o ano-novo – além de, como sempre, demonstrar seu poder de fogo. Poderia ter sido essa a causa de um inédito saldo da maior festa carioca: seis pessoas feridas a tiro na praia, sendo quatro atingidas por balas que vieram de cima. Mas a perícia preliminar já descartou que os ferimentos tenham sido provocados por balas de fuzil. Foram tiros de revólver ou pistola, muito provavelmente disparados por pessoas que estavam na praia, durante a queima de fogos.

A tradição de atirar para cima durante comemorações ou homenagens não existe apenas no Brasil. É um costume que persiste principalmente porque não se conhecem seus riscos. Imagina-se que um projétil lançado para cima simplesmente desaparece no ar, ou volta com força desprezível. A prática, no entanto, mostra o contrário. A bala atirada para cima tem pela lei da gravidade uma inapelável trajetória de retorno. Ela chega ao solo em média com um terço da velocidade com que foi disparada. Se é um tiro de fuzil, ainda que o projétil pese apenas 10 gramas, quando volta ao chão seu impacto pode chegar ao de 1 tonelada. É mais que suficiente para matar alguém.

A pedido de VEJA, o diretor do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ronaldo Leão, calculou as trajetórias possíveis desse tipo de disparo e suas conseqüências. Como mostra o quadro, um revólver calibre 38 é capaz de disparar balas a uma velocidade média de 1.000 quilômetros por hora. Num ângulo de 90 graus, o projétil sobe 500 metros e volta ao chão a 400 quilômetros por hora. É o bastante para perfurar o corpo humano. Se atinge a cabeça, o pescoço ou o tronco até a altura do abdômen, pode ser fatal. Quando o tiro é disparado a 90 graus, a bala pode cair em qualquer lugar num raio de 10 metros. Mas, se a arma estiver levemente inclinada, a 80 graus, por exemplo, o projétil cairá a até 70 metros. Dependendo da inclinação, fuzis do tipo AR-15, FAL ou AK-47, que são utilizados pelos traficantes cariocas, podem atingir pessoas a mais de 1 quilômetro de distância. Em 2006, 205 pessoas foram feridas por balas perdidas no Rio. A esmagadora maioria foi vítima de confrontos armados entre policiais e bandidos, e não de tiros dados para cima. Os cariocas e seus convidados de todo o mundo poderiam ser poupados desse risco numa festa que sempre foi pacífica. "Dar tiros para o alto como forma de comemoração é coisa típica de país subdesenvolvido. E mostra a quantidade de armas em poder da população. Não por acaso, é muito comum vermos manifestações como essa em lugares como o Rio de Janeiro, a Palestina ou o Iraque", diz José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública.

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